quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Paris 1900 – L'Exposition Universelle

De meia dúzia, sobra um…


No mesmo ano em que, como já vimos, era exposto no Salon da Société des Artistes Français o Retrato da Ex.ma Sr.ª Condessa de Mossamedes [1], decorreu também em Paris a Exposição Universal de 1900.
Integrada nesta Exposição Universal realizou-se L’exposition décennale des Beaux-Arts | 1889 à 1900. Na secção portuguesa, Malhoa participa com seis obras. Algumas já habituadas ao ar do Sena e já aqui referidas, outras antes mostradas no Grémio lisboeta, e uma especialmente preparada para esta ocasião. Segundo o Catalogue illustré officiel, foram elas [2]:
 
54Les Potiers
55 A blanchir le linge
56Les Boulangères
57Le Professeur titulaire de chaire
58Portrait du prieur de Constancia
59 En voyant passer le train.



            Vejamo-las rapidamente, uma a uma.




Les Potiers / Os oleiros, c.1897, 130x165. O já nosso conhecido do Salon de 1897, seria agora merecedor duma Medalha de Oiro neste certame.


Les  Potiers / Os oleiros, c.1897. ost, 130x165


A blanchir le linge / A corar a roupa, 1899. Foi obra cuja única apresentação aconteceu nesta mostra. «Pintei n’este ano em Figueiró, o quadro “a córar a roupa” que vai figurar na exposição de Paris…» refere Malhoa em nota de final de ano, em 31 de Dezembro de 1899 [3]. Refere-se, por certo, a este quadro. E por certo também deste quadro é esta imagem [4].

A blanchir le linge / A corar a roupa, 1899. ost.

«Uma outra sua tela “As lavadeiras”, essa não podia vêr-se pela altura demasiada a que ficou. Foi pena porque esse quadro, cuja perspectiva assim se alterava pela deformação dos planos, era d’um quente e lindo colorido» [5] - resumem-se praticamente a isto as apreciações conhecidas a este interessante trabalho de Malhoa, realizado propositada e visto unicamente nesta ocasião. Não será, contudo, muito difícil de imaginar como seria. A foto que resta, embora a preto e branco, e o «estudo» deste mesmo quadro [6] existente no MNBA do Rio de Janeiro, darão preciosa ajuda…


A corar a roupa (estudo), c.1899. ost, 63x75. MNBA, Rio

            Pela amostra, deve ter sido uma grande tela!


A corar a roupa (estudo),1898. folha de álbum, 15x23. MJM, Caldas da Raínha

E, já agora, fica mais isto - um desenho preliminar, folha de álbum, datado do verão anterior, onde podemos perceber já as composições de ambas as telas. Note-se, na correspondente ao quadro de Paris, uma segunda figura com presença importante e que foi suprimida na versão definitiva.

(Só em 1928, na SNBA, será mostrada uma nova versão de A corar roupa, com mais roupa e menos lavadeiras. Essa tem foto no catálogo e há estudo só do linho. Mas não é coisa agora para aqui chamada).



Les Boulangères / As padeiras (mercado em Figueiró), 1898, 45x54. Apresentadas na 8ª Exposição do Grémio Artístico, 1898, e como vimos antes, compradas nesse mesmo verão, juntamente com Os oleiros, por Jerónimo Bravo [7]. Viajadas, haviam ido no ano anterior a Liverpool, e - sorte a delas! - seguiriam de Paris para S. Petersburgo onde seriam expostas no ano seguinte. Gozam ainda de boa saúde e muito se recomendam.

Les Boulangères / As padeiras (mercado em Figueiró), 1898. óleo, 45x54. c.p.



Le Professeur titulaire de chaire / O Catedrático, c.1898. É o mesmo do Salon de 1899, agora com outro título em francês. Como já explicado, de tal quadro não haverá imagens, restando este provável estudo.

Estudo para O Catedrático (?), 1898. osc, 33,5x40



Portrait du prieur de Constancia / Retrato do prior de Constância, 1899. Também com ligeira alteração no nome, é o já conhecido do Salon de 1899. E deste é que não resta qualquer imagem conhecida.



En voyant passer le train / À passagem do combóio, 1896, 40x65. Inicialmente apresentado na 7ª Exposição do Grémio Artístico, 1897, já sem preço de catálogo - sinal de haver sido vendido, ainda com o verniz a secar, a José Relvas. O mesmo que o haveria de emprestar e perder agora.
«À passagem do comboio – é uma animada scena, tão frequente, a que o pincel de Malhôa apanhou em flagrante toda a vida e intensa expressão d’alegria expontanea. O comboio foge rapidamente e o rapazio, que correu ás barreiras a vel-o passar, ainda não acabou a esfuziada de gritos e risos; teem todos o gesto animado das grandes ocasiões, um lança a perna sobre o ripado, agita-os um extremecimento de vida, só a rapariguinha que traz ao collo a irmã pequenina, conserva attitude socegada de quem, tendo um dever a cumprir, não pode deixar-se arrebatar por enthusiasmos.» - assim o descrevera Ribeiro Arthur aquando da apresentação, em 1897 [8].
            Deste há imagens com fartura [9].

En voyant passer le train / À passagem do combóio, 1896. óleo, 40x65

           
             Malhoa fará uma segunda versão de À passagem do combóio, c.1905. Aparentemente menos interessante, e onde enfia o barrete ao cachopo deitado sobre a cerca. Levá-lo-á ao Brasil em 1906 [10], ali será vendido a «Baldº Carq.ja Fuentes», por «1:900$000 (…) em moeda brazileira». É, muito possivelmente, este, não datado, e que entretanto terá vindo mais recentemente repatriado.

À passagem do combóio, c.1905. ost, 47x67, c.p.


Assim, a correr, é esta a história possível das seis obras que Malhoa levou à Exposição Universal de Paris, 1900.

Depois, na volta, o barco que as trazia afundou-se. Perderam-se cinco das obras de Malhoa e mais uma série de outras de outros Artistas nacionais. Foi grande a perda - como se pode calcular! A esta exposição internacional havia ido do melhor que então por cá era produzido.

Em 8 de Abril de 1901, com letra nervosa, Malhoa assenta no seu livro: «Recebi na Inspecção Geral da exposição Nacional de Paris, ondé inspector o Ressano Garcia a importancia do seguro dos meus quadros, que figuraram na mesma exposição, os quadros que se perderam no naufragio do “Saint Andre” foram, “Os Oleiros” pertencentes ao Bravo, valor um conto de reis, “a córar a roupa”, tres mil e quinhentos francos, (os quaes me foram pagos a 250 rs estando o Cambio a 259 !) “À passagem do Comboio, pertencente ao José Relvas, valor 300$000 [11], “O Cathedratico”  1.500 francos, retrato do prior de Constancia 300$000 – Total - 2:850$000».

Do desastre, safaram-se As padeiras, bafejadas pela sorte de não haverem embarcado por terem viajem marcada até à Rússia. Foram e vieram. E todos agradecemos. É um belo quadro!


A Medalha de Paris 1900, frente e verso - não é a d'oiro, que essa pagava-se.



Moral da estória:
Fica provada, pelo menos neste caso, premonitoriamente e apesar do que dizem, a vantagem da rota de Kronstadt, bem mais segura que a infeliz viagem mediterrânica, a bordo de um velho navio francês a cair aos bocados, em nome de santo, e (falta saber, mas tenho a fezada) conduzida por algum inepto capitão tudesco…


17 Jan. 2013. LBG.



[1] Sobre isto pode ver o artigo anterior.

[2] Para além do Catálogo, confirma-o, em grande parte, A. Acácio Martins Velho (1848-1929), amigo tomarense, no seu Folhetim | Paris e a Exposição | (impressões de Viagem), publicado durante largas quinzenas in A Verdade: Semanário [então quinzenal] Democrático de Tomar.
No nº1073, 21ºano, 25 Novembro 1900, (13ºfolhetim), quando chega à Pintura e à «nossa exposição [que] comprehende 122 telas…» [na verdade, pelo catálogo, 123 trabalhos], Martins Velho escreve: «Malhôa o mais devotado pintor dos costumes nacionaes e das scenas campestres da nossa terra apresentou seis bellos trabalhos dos quaes distinguiremos – os Oleiros, os Padeiros [traduzindo trocou o género], o Professor e a Passagem do comboyo

[3] Já anteriormente citada, então na íntegra. Do livro manuscrito «Receita | Despeza».

[4] Publicada in Serões. nº10, Abril 1906, Lisboa, Livraria Ferreira. Acessível aqui.
Aproveite para ler Ramalho Ortigão e o seu belo artigo vespertino da viagem de Malhoa ao Brasil - mais vale que me ler a mim ou outras parvoíces…
E, para o outro lado do Atlântico, umas páginas mais adiante, isto: Bernardelli, Visconti e tal - deve interessar.

[5] José de Figueiredo, in Portugal na Exposição de Paris. Lisboa: Empreza da História de Portugal, 1901. Apesar do título que dá ao quadro,  traduzido pessoalmente do francês, era sobre este que falava.

[6] Como abordado em anterior artigo, designado pelo próprio Malhoa como «”a corar a roupa” (estudo)» e vendido no Rio em 1902, por Guilherme Rosa, para a colecção da Escola Nacional de Bellas Artes. Não se percebendo porque se insiste em data-lo de 1905…?! É um «estudo» deste aqui, e pronto! E um grande «estudo», por sinal!

[7] No seu livro «Receita | Despeza», no verão de 1898, Malhoa anota «Venda dos “Oleiros” e “Padeiras” ao Bravo – 500$000» (fez desconto, que no catálogo estavam por 500$000 e 250$000, respectivamente).
Mais uma vez, não se entende a indicação de haver sido «vendido em Março de 1900», quando já estaria de malas aviadas até Paris... (mais uma cartinha mal lida... e, como também lá falta esta Exposição que não será «menor», é mais uma fichazinha boa para pendurar na parede.)

[8] B. Sesinando Ribeiro Arthur, in Arte e Artistas Contemporaneos, 2ª serie. Lisboa: Livraria Ferin, 1898. p.252 a 253 – A setima exposição do Gremio Artistico.

[9] Desde logo a fotogravura do catálogo de 1897, publicada também no Occidente, em Branco e Negro… e, já “postumamente”, no catálogo de 1928. A acima mostrada.
Existe ainda uma xilogravura «segundo original de José Malhoa», «realizada por Charles Baude, em 1900, para a revista Le Monde Illustré, e de que o pintor ofereceu uma “prova de artista”, impressa sobre papel de esquisso, a José Relvas.» Existente no acervo dos Patudos, foi publicada e comentada por José António Falcão in Os Corpos e as Almas: Obras de José Malhoa na Colecção da Casa dos Patudos. Alpiarça, Fig.º dos Vinhos: Casa dos Patudos, Clube Figueiroense, 2006. p.17 e 35. (o citado no início deste segundo parágrafo) . E que pode ver aqui.

[10] No Catálogo da Exposição do Rio tem o nº24 e a indicação «(Paris Salon 1905)». Como já referimos na nota (9) do artigo anterior, esta, como outras, deverão ser imprecisões ou erros. Consultados os catálogos de Paris 1905 (quer o da Société des Artistes Français, quer o da Société Nationale des Beaux-Arts – ambos com a assinatura de posse de Malhoa) nada foi encontrado que tal confirme, sequer (como relativamente ao Salon de 1900) qualquer nota manuscrita. Chatouillant, e chega!

[11] Ficamos sem saber o destino do dinheirinho dos quadros do Bravo e do Relvas – está registado na «Receita», nada aparece na «Despeza»… isto não quer dizer que não tenha acontecido de outra forma, nem tudo foi anotado.
Sabemos que a Relvas deu a gravura de Baude, referida acima na nota (9) deste artigo, obviamente para compensar a perda do quadro; ao Bravo irá fazer mais tarde uns retratos, a preço jeitoso, dele e da Mulher…


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